“[…] Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes. Se isso é sobre vivência, me resumir à sobrevivência.
É roubar o pouco de bom que vivi. Por fim, permita que eu fale, não as minhas cicatrizes […]”
Sim. Para fechar a semana da Consciência Negra, assim como esse trecho da música AmarElo, do músico brasileiro Emicida, vamos mergulhar na resistência, no empoderamento e nos sonhos das pessoas pretas e pardas, por meio do empreendedorismo. Essa poderia ser a chave que faz abrir novas oportunidades, catalisando uma transformação social e econômica no país. Afinal, ao longo dos últimos 10 anos, os pretos e pardos empreendedores já somam mais de 15 milhões de donos de negócios em todo Brasil, um crescimento de 22%, se comparado a 2013. E a maior parte dos empreendedores negros está concentrada nas regiões Sudeste (37,7%) e Nordeste (32,7%).
Os dados são do estudo “Empreendedorismo Negro Sob a Ótica da PNAD Contínua”, elaborado pelo Sebrae, com informações do IBGE, que analisou o dados de 2012 a 2023. Em geral, o propósito é a força-motriz dos negócios de pessoas negras. “Fazer a diferença no mundo” é, inclusive, uma das principais motivações que levam esse empreendedor a iniciar uma empresa no Brasil, segundo a mesma pesquisa.
Esse foi o caminho escolhido pela cabeleireira e terapeuta capilar Dayse Lins, cliente do Sebrae Alagoas. “A minha história é coletiva. A cada atendimento, embelezando uma mulher negra, eu tô fazendo a minha parte na criação de um legado. Para quem chegar depois, possa se sentir acolhido e sem medo nem vergonha de quem é”, defende a afroempreendedora.
“Há 10 anos, a necessidade fez nascer a empreendedora. Eu trabalhava 28h seguidas, saindo de um trabalho para outro e, em determinado momento, me vi sem emprego. Então, tive que me virar como mãe solo”, relembra Dayse. Neste cenário, ela criou uma oportunidade. “Eu sentia que precisava empreender em alguma coisa que fizesse sentido pra mim, pra minha história, pra minha comunidade”, confessa.
Foi então que saiu do papel o Negra Beleza, um espaço que cuida, valoriza, reconhece e fortalece a identidade da comunidade preta e parda, na parte alta de Maceió. “Trabalhamos com a beleza que sempre foi rejeitada. Apesar de sermos 56% da população brasileira, as pessoas ainda têm dificuldade em aceitar o seu cabelo e suas características. Então, é muito mais que embelezamento. Somos um salão com uma essência de aquilombamento”, completa a afroempreendedora.
Negócios de pessoas negras
No último trimestre de 2023, o afroempreendedorismo representou 71,4% dos negócios existentes em Alagoas, muito superior aos 52,4% em todo Brasil. E assim como Dayse, outras mulheres pretas também tomaram as rédeas de suas vidas. Apesar de ainda serem uma minoria, com 31,4%, esse público vem despontando, principalmente no setor de serviços, representando 41,2%, e se destaca na escolaridade, em comparação aos homens negros donos de negócios.
O relatório técnico realizado pelo Sebrae mostra que 21,8% das mulheres negras têm ensino superior incompleto (contra 12,4% dos homens) e 41,6% concluíram o ensino médio (superior aos 32,9% dos homens pretos e pardos), em todo Brasil.
Recortando essa análise para Alagoas, o cenário também é favorável às mulheres negras, sendo 19,1% com ensino superior incompleto (apenas 11,2% dos homens) e 44,2% com ensino médio completo (contra 28,6% dos homens).
Para conferir a pesquisa completa, acesse o link https://datasebrae.com.br/empreendedorismo-negro/
Mais consciência
Não estamos num mundo perfeito – longe disso. A necessidade de políticas públicas que promovam inclusão social e valorizem essa herança cultural afro-brasileira, é essencial para fortalecer a identidade nacional e oportunizar um desenvolvimento econômico mais equânime e digno para todos.
Até porque, a pesquisa realizada pelo Sebrae mostra que dos 18% dos negros donos de negócios que solicitaram novos empréstimos, nos últimos seis meses (sendo 3% a mais que os brancos), somente 26% obtiveram êxito. Ao contrário dos 40% de empresários brancos que tiveram seus pedidos atendidos pelas instituições financeiras.
Por isso, resistência não se limita a um conceito ativista. É uma atitude necessária no universo do empreendedorismo. Assim como fez Dayse Lins – mulher, mãe, preta, dona da Negra Beleza – que acreditou num instinto, trilhou seu caminho de conhecimento e aperfeiçoamento profissional e investiu nessa ideia de cuidar, acolher e ressignificar a beleza e o autocuidado.
“Em uma aula de projeto no Senac, eu desenhei como queria o meu salão. Era exatamente isso. Um lugar que acolhe a diversidade. A gente atende aquela mulher que não tem onde deixar o filho, aquela criança neurodivergente, pessoas com pele clara e cabelos exóticos, e todo público preto que é rejeitado. Sou afrodecentente por parte de pai, tenho irmãs que também são cabeleireiras, então, nosso salão é sim ancestral”, celebra Dayse.
Como símbolo dessa força do empoderamento afro-brasileiro, a empreendedora confessa que ainda tem sonhos a realizar, como o projeto Dar Luz. “Eu quero ensinar outras mulheres. Eu penso nessa oportunidade de cursos pra gente desenvolver esse autocuidado, resgatar tradições e não deixar a Negra Beleza morrer. Isso é criar um legado”, finaliza.
Preto que é preto ilumina porque é preto
Parafraseando Jorge Aragão, com esse trecho da música Preto, cor preta, que a (auto) consciência, seja negra ou branca, possa revelar o potencial de uma cultura e de uma história. Que essa data de 20 de novembro, escolhida durante o congresso do Movimento Negro Unificado, em 1978, resgatando Zumbi dos Palmares, como um ícone da resistência e um símbolo da luta contra o racismo, possa repercutir também no mundo empreendedor, como uma rede de resistência e empoderamento.
Afinal, já é tempo de toda sociedade reconhecer esse potencial, respeitando, incentivando e promovendo mais acesso e visibilidade ao empreendedorismo negro – cada um do seu jeito, no seu limite de atuação e articulação. Por falar nisso, você já divulgou ou comprou de um afroempreendedor ultimamente?